100 milhões de dólares

Maria Lúcia Fattorelli Carneiro, auditora-fiscal da Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda, Presidente do Sindicato Nacional de Auditores Fiscais e Coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida Externa, declarou, em junho 2004, na O Magistrado em Revista algo que palpita ainda forte na consciência histórica do Brasil.

Ela declarou que se os credores internacionais respeitassem, no final de 1989 a taxa de juros de 5% (cinco por cento), a dívida externa brasileira, formada pelos contratos internacionais de financiamentos e empréstimos do período militar, estaria paga em 1989, e o Brasil ainda teria direito à devolução do montante de US$ 100 de milhões.

O problema era a cláusula flutuante de juros, que de repente foi elevada, unilateral e absurdamente escorchante, para 20%, descontrolando toda a economia nacional e da América Latina. E o direito universal ao desenvolvimento, ínsito em todo país soberano, ficava frustrado pela imposição financeira, que nenhuma consideração faz a respeito da desigualdade social, com a carência de recursos para as políticas de redenção nacional.

Em 1985, assume o governo Sarney, que declara a moratória da dívida, suspendendo o pagamento, que inclui verbas gigantescas para pagamento do Comitê Assessor, composto de funcionários dos bancos-credores. O Senado Federal constitui Comissão Especial para examinar o montante da dívida. Descobrem uma fraude de 16 milhões no Banco Central. Reconhecem o abuso dos juros e, mesmo com a lembrança de que Getúlio Vargas, em 1931, nomeara Comissão presidida por Oswaldo Aranha, reduzira a dívida em 50% de seu valor, e não elaboram um Relatório final. Essa Comissão Mista articula para que a Constituinte assuma a responsabilidade desse exame e dessa apuração. E a consequência foi a inclusão do rigorosíssimo artigo 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que, depois de um ano da promulgação, com a previsão de remessa ao Ministério Público do que fosse ilícito, e ainda o auxílio do Tribunal de Contas da União, como órgão auxiliar do Congresso Nacional, que em qualquer circunstância teria o dever legal de exercer tal função.

A Comissão Mista criada em razão do artigo constitucional votou um relatório parcial, mas não votou o final. Face à falta de quórum, foi determinada que uma sessão final se realizasse, e ficou frustrada, porque ninguém compareceu.

Assim, ficou enterrada e morta a grande questão que esperava o cumprimento do dever por parte dos parlamentares brasileiros da época, e que mobilizava a sociedade brasileira, que até votou num plebiscito incentivado pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos), pela Ordem dos Advogados e por partidos políticos, comparecendo com seis milhões de votos. Prevaleceu o dever molenga, que escapa de obrigações necessárias, por interesse subalterno, em prejuízo da nação.

O Conselho da Ordem dos Advogados, em 2004, entrou no Supremo Tribunal Federal com A AÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL para obrigar o Congresso a ultimar as providências decorrentes do artigo 26. A primeira decisão teve como relator o Ministro Ayres Britto, que reconhecia a procedência da ação, e assim foi votado. Depois, no recurso de Agravo, a relatoria passou a ser do Ministro Luís Roberto Barroso, e a ação foi julgada improcedente.

O argumento jurídico dessa derrota inacreditável foi de que o citado artigo 26 integrava o capítulo dos Atos das Disposições Constitucionais Provisórias e, se provisório, não se configura como preceito fundamental.

Se a regra votada naquela que foi na história constitucional brasileira a mais democrática das Constituições, justamente a que fez a grande revolução do protagonismo, colocando a dignidade da pessoa logo na sua abertura, substituindo o protagonismo do Estado, seguramente aumentou com essa inversão a densidade do dever a ser cumprido, no entanto, vemos ser colocada no museu da vergonha essa grande omissão coletiva, que enaltece o dever molenga que prevalece nos escombros da ética e do civismo pátrio.

Cem milhões de dólares foram enterrados graças à negligência de quem contratou e de quem não apurou, inclusive pagando despesas de funcionários de bancos credores, e a taxa de juros, ficando sob a vontade dos credores a sua alteração, emerge na consciência jurídica a violação dos princípios do direito nacional e internacional.

Assim, o ataque à soberania nacional foi enterrado sem glória, no Congresso e no judiciário, em 2022, e ocorreu o julgamento definitivo com a discrição eloquente da toga da justiça.

É como se não tivesse existido…

O direito à liberdade

O Brasil não se surpreende mais com o discurso político que segue xingando o Ministro do Supremo Tribunal Federal e outras instituições. A novidade é que deputados viajaram para o exterior, com dinheiro público, certamente, para fazerem críticas, lá fora, dizendo estar o Brasil dominado por uma ditadura. Até um milionário mundial da comunicação fez ataques nos quais incluiu o Presidente Lula, depreciativamente.

Perguntado um amigo, o porquê de sua adesão a tal atitude, ele me respondeu que defendia a liberdade. Evidente que logo perguntei se ele ou alguém estava sofrendo algum tipo de restrição à sua vida, a resposta foi o silêncio.

Evidente que esse grito de liberdade atende ao interesse político de demonstrar força política, para se antepor a qualquer ordem de prisão do inelegível, eventualmente expedida pelo Supremo Tribunal Federal. E, se possível, criar um clima de anistia para ele e para todos os criminosos que o apoiavam na loucura do 8 de janeiro, com os atos precedentes e a propagação do discurso do ódio, durante quatro anos de gestão, em que ocorreram atos até ridículos, praticados pelo então Presidência da República. Como a da convocação de embaixadores para ouvirem mentiras sobre as urnas eletrônicas. E de um Presidente da República!!!

Assim, a palavra de ordem atual é: liberdade. Ninguém fala, claro, mas foi essa palavra que se abasteceu de conteúdo histórico, através de um longo processo civilizatório, que só apresenta seu conteúdo, no regime da democracia, na qual se inclui também o conceito de igualdade.

A liberdade necessita da evolução psicológica que confere à pessoa a verdadeira consciência da configuração do seu lugar no espaço territorial do Estado, no qual o voto o coloca no espaço da participação nos negócios públicos.

Difícil é mapear a atuação da liberdade, como expressão individual, sem considerar a ordem pública, dentro da qual ela se projeta.

Assim como não há permissão lógica para que a pessoa invoque seu direito à liberdade, sem o limite da ordem pública, sem o respeito ao único regime político que a garante, como direito individual e coletivo, que é a democracia.

A democracia é um regime político que permanentemente está ameaçado pela volúpia criminosa que sempre quer destruí-la, violando os preceitos da ordem pública, em nome da verdade política, escondida, oculta, que é o aspirado despotismo, que é o desejado autoritarismo, que é a sonhada ditadura.

O que muitas vezes acontece, simultaneamente, com a prática democrática é a insatisfação da maioria pela demora do atendimento de suas necessidades básicas, aproveitada pelo discurso do ódio para prometer o impossível, que a satisfação de tudo, mas só com autoritarismo ou na ditadura, quando a comunidade das pessoas não é ouvida; e se houver inconveniente insistência haverá perseguição.

Nenhum aprendiz do autoritarismo ou de ditador, desde que assume o poder, tem coragem de se apresentar como é. Sempre invoca a democracia como sua bandeira de sustentação, apesar de suas políticas serem sempre em favor de poucas pessoas, ou poucos grupos de privilegiados.

O respeito a qualquer pessoa, centro da democracia, não vale para outro regime, que continua com os slogans da conveniência política, quando não das comunicações falsas.

A intensidade da perseguição de quem discorde de suas políticas leva o autoritarismo ou a ditadura ao enrijecimento de seu aparelho repressivo, cuja intensidade pode conferir a ele ou a ela o designativo de Estado terrorista. Quando aí dá margem e razão ao surgimento de grupos armados de oposição, que exercem na prática o direito de resistência, que está implícito em todas as Constituições escritas.

A ditadura é um exemplo típico que nunca deve ser seguido, pois, por exemplo, o nome Maduro é só um nome que obedece piamente quem verdadeiramente está no poder político, como acontece em todas as ditaduras: os militares, por sinal, muito bem com seu arsenal de armas abastecido, e plantados em todos os postos da administração pública, gozando das benesses e dos benefícios de quem dispõe do direito de usufruir o que pode ser usufruído, e com a consequência da traição: dane-se o povo.

A liberdade, sempre garantida e preservada, deve ser exercida, na democracia, com respeito à ordem pública. Por exemplo, não pode ser usada para destruição de prédios públicos, nem para derrubada de torres de energia elétrica, como aconteceu, entre 8 e 30 de janeiro de 2023.

A liberdade, como direito garantido, não pode ser desacreditada pelo seu uso abusivo visando a destruição da democracia que o garante e limita.

A desordem institucional causada pela Lava-Jato

O Brasil sofreu um sentimento generalizado de vira-lata, que chegou ao ponto máximo com a tentada destruição definitiva da constitucionalidade do país, trabalhada durante quatro anos pelo inelegível, que construiu o pano de fundo e a instrumentalidade do que se assistiu num 8 de janeiro, em que se quebrou a sede dos Poderes da República. Somente, e tão somente, revendo os jornais do período se recordará a paternidade do absurdo, não se precisando de mais prova. Essa desordem tem outros pequenos ingredientes que se procura destacar aqui. Mas, antes, não se pode esquecer que a imprensa reprodutora de versões oficiais, sem nenhum espírito investigativo, ignorante da Constituição, condicionou a opinião pública, despertando-lhe raiva e ódio.

A Lava-Jato, por exemplo, que no início ganhou o respeito de muitos, com o tempo foi tomada por avantajada arrogância togada, que se revelou irmã gêmea do banditismo miliciano do Rio de Janeiro, já que ambos agem contra a lei, e ambos também têm como finalidade ganhar dinheiro e/ou poder. Com uma diferença, os de Curitiba usavam a toga da imparcialidade sugerida pela justiça, o que inclui um agravante intolerável.

A outra identidade: ambos têm protetores poderosíssimos. Se não houvesse essa cobertura de proteção, a penitenciária teria o dobro da população já dobrada.

Em Curitiba, juiz, juíza e procuradores sintomaticamente se qualificavam como integrantes da República de Curitiba. Ilegalmente, entraram em conluio com o Departamento de Estado norte-americano, sem que o Governo Brasileiro soubesse, como é obrigatório que sempre se saiba, para “vender” a Petrobras. E nessa artimanha estava embutida o retorno de dois bilhões e seiscentos mil reais, no zigue-zague, o dinheiro público cairia em uma fundação privada, comandada por procuradores. Rodeando esse núcleo estava o grupo da Lava-Jato intimidando os tribunais superiores, quando não mentindo, nas informações.

A juíza Gabriela Hardt homologou essa patranha, e mais, a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça descobriu o verdadeiro caos na custódia da arrecadação de 22 bilhões na 13ª Vara de Curitiba, valor que ficara sob a responsabilidade inicial de Sergio Moro e depois dela. Para onde foi o dinheiro? Como é possível assim nas barbas da justiça e dos virtuosos? Em depoimento, ela reconheceu que não deveria ter homologado a excrescência da fundação. Afinal, não é possível que juiz e Procuradores não saibam que o regime financeiro do Estado é o do Regime de Caixa Único, que concentra toda a renda do Estado e respectivas dívidas, que muitas vezes ultrapassam a receita, e. ainda precisa recorrer a recursos depositados no Caixa Único por órgãos do próprio Estado, como empresas estatais e entidades da administração indireta.

O que se lamenta é que até hoje eles circulam ilesos pela passarela da Justiça, uns e outros avançaram pela política partidária em busca de blindagem institucional.

Já existem estudos dos prejuízos gigantescos causados pelos fazedores da Lava-Jato, que vão desde a desarticulação da economia nacional, destroçando empresas nacionais que concorriam no mercadão internacional, a milhares de desempregados diretos e indiretos. Esse é um ponto em que o Congresso Nacional, se fosse dominado pelo orgulho, decência e dignidade nacionais, longe do rebotalho da alienação e do discurso do ódio, estaria investigando a conexão entre o interesse estrangeiro e o debacle dessas empresas. Preservem-se as empresas, condenem-se os corruptos.

Afinal, foi muito forte e pública a ligação dessa “gente” empertigada e arrogante com o interesse estrangeiro. O juiz Sergio Moro foi levado para receber o título gigantesco de purificador do mundo, tudo em inglês, uma honra, em homenagem orquestrada por quem era grato pela judicatura rasteira e perseguidora, que desventrada fez aparecer o comportamento de corretor e vendilhão do interesse nacional. Tanto que depois foi prestar serviço à Consultoria que assessorava a recuperação judicial das empresas que ele, Sergio Moro, praticamente quebrara. Para esse trabalho de agora consultor, ele confessou ao Tribunal de Contas da União ter recebido três milhões e quinhentos mil Reais. E sua proximidade com o serviço de espionagem norte-americano, a CIA, é tão grande que, veiculada a podridão da Vaza-Jato, ele, Ministro da Justiça, cargo recebido como pagamento do governo pelo fato de ter sacaneado eleitoralmente a oposição, viajou correndo para os Estados Unidos, sem pauta oficial, onde ficou cinco dias escondido, seguramente recebendo instruções de seu patronato.

Por sua vez, os procuradores que se meteram nessa relação espúria com os interesses estrangeiros, entregando documentos da Petrobras, deveriam estar sendo processados criminalmente, porque prejudicaram o sistema jurídico do PAÍS, comprometeram sua Instituição, estabeleceram com a desenvoltura de suas atividades ousadas e criminosas um padrão de comportamento que estava fazendo, se é que não permanece, um paradigma para ampliar a ofensa aos direitos de defesa do réu.

Essa “gentalha” gerou uma situação de inegável instabilidade. Não poderia faltar na narrativa do absurdo o que a televisão mostrou para milhões de pessoas: o empertigado procurador, que queria fazer uma empresa com a mulher, para sair ganhando dinheiro oferecendo a dignidade alheia como mercadoria, não tinha provas contra o Presidente Lula, mas tinha convicção. Com isso, ele queria mudar o essencial em qualquer investigação de crime, que é a necessidade de prova. Por enquanto, ele se encontra cassado em seus direitos políticos, depois de sair correndo do Ministério Público Federal para inibir punição do Conselho Nacional do Ministério Público.

A certeza é que corrupção não é combatida por heróis de ocasião. Ela é combatida diariamente por todos que agem com ética na vida e, quanto ao serviço público, o cumprimento da lei com eficiência e discrição é a obrigação imposta a todos. As instituições são os órgãos que investigam os atos e os condenam quando devam ser condenados. Os servidores públicos devem ser discretos em suas funções. Os que querem a passarela da fama que escolham outras profissões.