Se o tempo vai distanciando o mérito e o demérito, na sua fome de querer engolir tudo, é saudável lembrar a vitória jurídico-política do vereador Marcos Papa, que incansavelmente batalhou para a redução da tarifa do transporte coletivo urbano de Ribeirão Preto e obteve extraordinária vitória, selada pelo primoroso Acórdão, do desembargador Souza Meirelles, do Tribunal de Justiça.
Essa vitória é uma lição para o poder público, que não nasceu ontem, e à cidadania, pessoal e organizada, que deve sempre ser conscientizada para que possa assumir e exercitar seus direitos.
A decisão fixa-se nos princípios que regem a administração pública, particularmente os da publicidade. Não bastando que a imprensa divulgue como atuou o poder público, antes da edição de um decreto.
É relevante a imprensa noticiar o dia a dia da administração pública em geral. Essa publicidade escrita, falada ou televisiva não é publicidade dos atos administrativos. A publicidade nesse caso é veiculada pelo órgão oficial do município, ou pelo órgão autorizado por ele. É a maneira que o sistema legal estabelece, no ritual da relação entre poder público e cidadania. É assim que se pressupõe a formação de “um conhecimento direto, o dos munícipes e das instituições, eventualmente interessadas em dardejá-los, por meio dos mecanismos de reafirmação da cidadania”.
Essa publicidade é que confere oficialmente a transparência exigida entre o poder político e a sociedade organizada.
Não basta, entretanto, a publicidade oficial do decreto. O seu conteúdo, como está no mandado de segurança julgado, é a “transparência do critério trilhado para o reajuste, esta é a parte vertebral do ato”. Essa transparência de critério de reajuste não estava no decreto. Na verdade, a administração optou pela assertiva genérica, que o fulminou de ineficaz ou nulo, dizendo: “considerando o estudo de reajuste tarifário do serviço de transporte coletivo urbano de Ribeirão Preto, elaborado para julho de 2018”.
O poder público, que tem a obrigação de dar conhecimento pleno à sociedade organizada sobre o conteúdo de seu ato, ainda deve respeitar a vacância, que corresponde ao tempo necessário para a maturação social.
Nesse período de tempo razoável concedido a cidadania, ela deve assumir as nuanças e os efeitos da aplicação do ato oficial. No caso, “a publicação concretizou-se em 26 de julho de 2018, uma quinta-feira e, já na segunda-feira, dia 30 de julho de 2018, o decreto intentaria assumir a indumentária da obrigatoriedade”. E dois dias não representam o período de tempo razoável para que haja conhecimento e maturação social a respeito dos efeitos do ato administrativo divulgado. O princípio da razoabilidade, aliás, é o regente do sistema jurídico nacional, e se lê que ele está invocado no Acórdão.
Esse período de maturação é o que se chama de vacância. É o período em que a cidadania deve compreender o conteúdo revelado no ato administrativo, seus efeitos, suas consequências e se preparar. E havendo, como houve, desrespeito à lei e a seus princípios, ocorre o que se chama de abuso.
No entanto, a história recente da cidade tem precedente de igual gravidade, que até propiciou a reflexão sob o título “IPTU de afogadilho”. Esse precedente foi aquele que a gestão anterior iniciou no dia 12 de dezembro de 2012, com um processo legislativo truncado, cujo objeto era aumentar o imposto relativo ao IPTU. Ele foi votado e aprovado na Câmara Municipal, no dia 28 de dezembro de 2012, para valer a partir do dia 1º de janeiro de 2013.
O tempo de vacância também não existiu e a maturação social se converteu em indignação pública.