A Lava-Jato caminha em trilha própria, implacável. A trilha decepcionante é a revelada pela Câmara dos Deputados do Brasil, pois dela é a fila indiana que segue disciplinada, para satisfazer sua sede de poder, bebendo água salobra, que transpira de Eduardo Cunha.
Nada se assemelha na história republicana a esse uso indevido de um chefe de poder, responsável pelo agravamento da crise econômica e política que colocou o país em sobressalto, por mais de uma vez, nesse ano que se finda.
A oposição, que não brinda o Brasil ao menos com uma ideia altiva, entregou o troféu de provável herói ao presidente da Câmara, crendo que daria mesmo início ao processo de impedimento da presidente Dilma diante da frustração de sua última tentativa de chantagem.
O esvaziamento dos movimentos de rua pelo impedimento da presidente, ainda que abastecidos com membros da classe média e média alta, pode estar ligado ao esqueleto de Eduardo Cunha, que a cada dia se apresenta carente de ética.
O impedimento esbarra numa equação singela: de um lado, um forte candidato a ser um fora da lei que usa o cargo para benefício próprio, inclusive o de não perder o mandato, e de outro, a presidente, cujas políticas públicas não sofreram a correção devida em seu curso, mas que está no trono presidencial isenta de qualquer dúvida ética. É honesta, até na declaração de Fernando Henrique Cardoso.
O império da chantagem, em ritmo de clareza notória, teve como consequência colocar o eventual pedido de impedimento presidencial num segundo plano, porque inimaginável essa sujeição à desqualificação ética e moral numa articulação que faz antigos democratas, até os que foram vítimas do golpe militar, tornarem-se elegantes defensores do golpismo dissimulado. O ato dos virtuosos da lei, entregando ao presidente desqualificado nacional e internacionalmente o pedido de impedimento da presidente abre um inusitado precedente de descrédito.
Fica tristemente provado que a sedução do poder é capaz de alterar os defensores dos princípios democráticos, mas só quando eles os defendiam à espera de uma oportunidade para se revelarem como eram e como são iguais, na realidade primeira e última de si.
Não se discute a possibilidade jurídica do pedido para destituição da presidente, pois ele está previsto na Constituição como absoluta excepcionalidade, já que confronta a decisão da soberania popular.
Esse pedido, no entanto, deve ter um conteúdo fático, real, direto, determinante e determinado, como crime de responsabilidade, perfeitamente definido, que não pode ser popularidade baixa, nem erro na adoção de políticas públicas. Julgamento político não pode se converter num campo santo da arbitrariedade política estimulada pela fila indiana da água salobra.