Ninguém discute a excelência do juiz Sergio Moro do Paraná no trabalho de desventrar a corrupção da Petrobras e toda sua possível ramificação. E, em relação à Polícia Federal, o espetáculo de sua atuação é aferido por meio de contornos escassos, ou seja, só pelas notícias de jornais, não dando a certeza de ilegalidade manifestada.
Mas o que chama atenção nessa última semana é o ataque contra o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, por ele ter recebido em seu gabinete advogados das empreiteiras envolvidas na Operação Lava-Jato. Essa audiência causou um frenesi no ex-ministro do Supremo, Joaquim Barbosa, que, aliás, costumava não receber advogados. Infelizmente o juiz Sergio Moro seguiu o mesmo rumo, como se tal audiência pudesse interferir no devido processo legal, que está, nesse caso, submetido ao campo da Justiça. É verdade, ainda, que o juiz Sergio Moro, escrevendo sobre extraordinária ação da justiça italiana na chamada Operação Mãos Limpas, que investigou a corrupção mafiosa, disse que tal combate só foi bem-sucedido porque o regime era democrático. A sua formação, pois, colide com sua declaração relativa à audiência ministerial.
Essa psicose de achar que tudo é suspeito confere à moral e à ética a sua perversão.
No caso de um juiz, ele é obrigado a receber, a qualquer momento, um advogado, pois a sua indispensabilidade na distribuição da justiça está escrita na Constituição da República e na ossatura do direito brasileiro. O advogado está na mesma linha dele, juiz, e do promotor, sendo que, como profissional, não lhe deve, institucionalmente, nenhuma subordinação. E a Lei Orgânica da Magistratura estabelece a obrigatoriedade de o juiz receber a todos. Seguramente, o advogado constitui elemento da administração democrática do Poder Judiciário.
É didático repetir os termos de decisão do Superior Tribunal de Justiça, no RMS n. 1.275 RJ: “A advocacia é serviço público, igual aos demais prestados pelo Estado. O advogado não é mero defensor de interesses privados. Tampouco é auxiliar de juiz, sua atividade como ‘particular em colaboração com o Estado’ é livre de qualquer vínculo de subordinação com magistrados e agentes do Ministério Público. O direito de ingresso e atendimento em repartições públicas (artigo 89, VI da lei 4.215/63) pode ser exercido em qualquer horário, desde que esteja presente qualquer servidor da repartição. A circunstância de se encontrar no recinto da repartição ou fora dele basta para impor ao serventuário a obrigação de atender o advogado. A recusa de atendimento constituirá ato ilícito. Não pode o juiz vedar ou dificultar o atendimento do advogado, em horário reservado a expediente interno. Recurso provido”. Hoje, a mesma regência é do art. 2 § 1, da lei n. 8.906/94 (Estatuto do Advogado) que define: “No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social”.
A corrupção que envolve as empreiteiras inclui um universo de questões de iniciativa e responsabilidade do Estado brasileiro, que escapam à competência de juiz, promotor, e ex-ministro aposentado. As obras, maculadas pela corrupção, devem continuar e com as mesmas empreiteiras? Quais seriam as consequências de uma paralisação compulsória? O prejuízo do Brasil será triplicado? E a declaração de inidoneidade valerá a partir de quando? Quais serão suas consequências objetivas e certas? As empreiteiras devem ser substituídas? E o mercado nacional deverá ser aberto às empreiteiras internacionais? Há condições legais para as empreiteiras terminarem as obras, cujos valores devem ser revistos?
Seguramente, o Poder Executivo deve estudar, apresentar sugestões e definir uma política diante dessa ocorrência extraordinária, grávida de negatividade. A administração pública é regida por muitos princípios, fundamentalmente o da legalidade. E se a audiência do ministro não integrou a pauta, com deveria, em nome da transparência, ainda assim não representa nada de grave, pois a natureza pública da atuação do advogado explica tal omissão, já que ele pode ingressar nas repartições públicos sem pré-anúncio. Também as empreiteiras apresentam, como tese fundamental de sua defesa, a situação de vítimas de extorsão praticada por servidores públicos, cujo diálogo sobre tal questão poderá enriquecer qualquer processo administrativo. E, se acaso, os advogados foram tratar da ilegalidade da prova provinda da Suíça, vê-se claramente que o ministro pode ouvir, apesar de não ter competência legal para declará-la nula.
Vê-se assim que a audiência do ministro da Justiça com os profissionais cuja profissão têm natureza pública, pois, afinal, eles não tratam de interesses meramente individuais, não deve assombrar o moralista que, no excesso e no abuso, pode prestar um desserviço ao Brasil, mesmo que se apresente como o dono da ética e da moral, que, aliás, não suportam patronatos.