O médico-cirurgião é o profissional cuja especialidade exige não só a perícia que a disciplina do aprendizado agrega, mas a destreza das mãos, a sensibilidade, a intuição tantas vezes, a capacidade que confronta o imprevisto de um momento crucial. Em suma, celebra a invasão do espaço sagrado do corpo humano sem a permissão da alma. Às vezes ela não perdoa, às vezes ela finge que não é com ela e deixa passar.
A medicina é uma profissão cujos valores éticos a sociedade de consumo ainda não destruiu pela força irrefreável da banalização, como em nenhuma outra profissão aliás, já que tais valores permanecem sempre à espera de alguém que os convoque.
Se o advogado trabalha a expressão da sacralidade da pessoa humana, sua dignidade, que lhe é imanente, o valor essencial de sua luta é dado pela liberdade, enquanto o médico-cirurgião avança o sinal, no sentido inverso, pois a dignidade daquele corpo vivo lhe fica à disposição para o trabalho invasor, submerso na ética.
A honraria de cirurgião emérito conferida ao médico Isac Jorge Filho pelo Colégio Brasileiro de Cirurgiões não repousa na sua inequívoca atividade na sala de cirurgia, por tanto tempo prolongado no tempo. O patrimônio ético e profissional que ele acumulou no exercício da medicina o projetou e ainda o projeta durante igual tempo na docência universitária, revelada pela sucessão de gerações que formou, o que permite a aferição correta de sua “inequívoca contribuição à cirurgia brasileira”.
Se na sala de operação prevalece quase o monólogo, o exercício da cátedra estabelece a prática dialogante do ensino competente, que enriquece quem se apresenta para ensinar e aquele que se apresenta para aprender. Essa riqueza ilustra a prática diária de quem se dedicou, e se dedica, como o faz Isac Jorge Filho.
Seu interesse médico-científico garantiu-lhe presença, como palestrante ou participante, em encontros, conferências e ciclos, quando não o tendo como seu organizador. Na bioética, que é o novo rosto da ética médica alentada pelo avanço da “biologia molecular e da biotecnologia aplicada à medicina”, com os riscos da engenharia genética e nos códigos éticos tradicionais restritos a um campo de aplicação revolucionado pela ciência e pela tecnologia, Isac Jorge Filho aplicou sua curiosidade e seu saber na captura e formulação de novas respostas para questões inovadoras e atualíssimas.
Porém, nele destaca-se outra dimensão, no cumprimento da qual ele se revelou também “inequívoco” na coerência, na transparência e na decência. Ele foi vereador, ele foi secretário do Planejamento.
E ele pode relatar, sorrindo, qual o voo que fez colado ao interesse público.