Não é muita a repetição repetida de aplauso à realização da Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto, na sua 18ª edição, aberta solenemente no último sábado pelo concerto da Bachiana Filarmônica Sesi-SP, que se dedica à divulgação expansiva da música erudita. A participação especial foi do maestro João Carlos Martins, seu regente e seu pianista. Ele traz no seu patrimônio longevo a doença degenerativa das mãos que o obrigou ao estudo e treinamento da regência de orquestra. Essa dupla função de pianista e regente leva em si uma proposta pedagógica, ou seja, para quem tem vocação de aprender eis aí um exemplo de esforço e de superação, e para todos que enfrentamos cada imprevisto da vida, degenerativo ou não, eis aí o mesmo exemplo. Deu um toque de intimidade com a cidade, berço natal de sua mãe.
A feira tem sido uma fonte irradiadora de incentivo e de política pedagógica, não só para os estudantes, mas para todos que lá frequentam. Entre uma e outra feira, realizam-se inclusive projetos de arte em bairros, ampliando os que vão frequentá-la na próxima.
A feira reúne um grupo organizador de clara competência sob a coordenação-geral da jornalista Adriana Silva e seus diretores, assim como a Fundação Pedro II, a prefeitura, os governos estadual e federal, o sistema Sesc-Senai e um sem número de pessoas jurídicas, de universidades e empresas privadas.
É uma iniciativa agregadora, que lança com a sua realização um significado de convergência público-privada em prol do interesse superior da educação, da conscientização e da transformação possível com o hábito incentivado da leitura e do livro.
Uma notícia auspiciosa é sobre o índice dos que leem na cidade. O ribeirão-pretano lê mais do que a média nacional, de acordo com pesquisas realizadas nos dois últimos anos. Não se pode cometer injustiça deixando de creditar à realização sucessiva da feira, com a atração que ela promove e propicia, a sua responsabilidade e seu mérito nesse avanço do olhar que se abre curioso para novas dimensões de conhecimento próprio e da vida e do mundo. Tanto que foi percebida a existência dos “filhos da feira”, como revela Adriana.
É um momento de lucidez solidária, que naturalmente revela o quanto podemos, acreditando que com os outros, reunidos, é mais fácil e mais prazeroso realizar qualquer propósito, especialmente esse de animar a prática da leitura, cujo destinatário não tem idade.
No domingo, estava ali, naquele palco improvisado defronte do relógio da Praça XI, Miriam Fontana contando a história “A Ema e o Sonho”. A ema de pernas longas, ela a descrevia, fazendo coreografia, recolhendo suas asas, saltitando, tentando e conseguindo fazer-se ela para duas crianças e adultos que a assistiam. Lindíssima a reação das crianças, que a acompanhavam, que respondiam às suas perguntas, que completavam suas frases. Uma história de criança, que fazia sorrir os adultos.
Na outra sala, Moçambique era trazida pela apresentação dos que falaram sobre Mia Couto e sua literatura de poesia e prosa, ou de prosa poética, vivenciada pela realidade da exploração colonial, que só resulta em miséria e morte, em uma terra que explodiu em guerra civil depois de sua dita libertação.
Só dá para assistir o encantamento de uma ou outra experiência ou debate ou exposição. Você deve escolher, lembrando o óbvio de que quem escolhe exclui.
Mas dá para falar do patrono da feira, que é o advogado Sergio Roxo da Fonseca, que a cidade conhece muito bem como homem de bem, que o Ministério Público de São Paulo conhece, porque lhe serviu com dedicação absoluta, inclusive premiando-o por poesias e contos em concursos realizados, e que gerações e gerações de estudantes seguramente se beneficiaram com sua formação humanista, em Ribeirão, lá em Franca, e em toda tribuna que ocupou e dela falou.
E dá, ainda, para indicar os homenageados locais, como Camilo Xavier, cujo coração fala poesia, e Heloisa Martins Alves, professora de língua portuguesa, professora de quem quer ser professor(a), e tem três livros publicados. Coordena o projeto Combinando Palavras, da qual é cocriadora, lá na escola estadual Otoniel Mota.
Não falta nada para enobrecer a cidade nessa realização de solidariedade e dedicação. Só que as autoridades da cidade, políticas ou não, precisam estar de corpo presente, especialmente na noite da abertura, para que elas não se apequenem pela ausência.
Só uma sugestão dita pessoalmente à Adriana, sempre receptiva: o país que for escolhido deve ter seu embaixador como hóspede oficial do município, antecedido por convite empenhado ‒ e tanto quanto possível pessoal ‒ da autoridade política da cidade, inclusive.
Prestigiar é o verbo da democratização da feira, que é nossa.