A colunista da Folha de S.Paulo, Laura Carvalho, na edição do dia 21 de janeiro, trata, sob o título “A revolução dos auditores”, do veto da presidente Dilma aposto na lei que definia a realização da auditoria da dívida pública no âmbito do Ministério da Fazenda. O artigo destaca que “cancelar parte da dívida que seria oriunda de ilegalidades não é a panaceia que aparenta ser”.
Entretanto, a abordagem de um tema tão relevante nos convida a rememorar que a questão da divida pública externa já tem um passado mais do que melancolicamente irresponsável para governantes e políticos do Brasil.
Fixemo-nos inicialmente na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada durante o governo Sarney para apurar as razões do “calote da dívida externa”. Essa CPI transferiu astuciosamente toda responsabilidade à Assembleia Nacional Constituinte, que fixou prazo de dois anos para o Congresso fazer a auditoria da dívida, com a remessa ao Ministério Público de qualquer malfeito que por acaso saísse da toca da ilegalidade.
É incrível constatar que a comissão não teve relatório final aprovado, e o dito ficou no não dito.
Não bastasse a dignidade da exigência imperativa e constitucional para se fazer tal auditoria, a sociedade civil deflagrou um movimento social em que havia, além de associação civil e particular destinada especialmente a esse assunto de interesse nacional, a presença da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que desembocou fortemente na realização de um plebiscito, o primeiro realizado após 1988. A opção favorável à auditoria foi vencedora, mas ela nunca aconteceu. Nesse plebiscito votaram 6.030.329 cidadãos em 3.444 municípios brasileiros.
A dimensão da dívida pode ser imaginada com o parecer de 2004 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados, que declara: “A dívida externa comprometeu o crescimento brasileiro, permitiu a perpetuação da miséria e atingiu a própria soberania do país”. Para o jurista Pinto Ferreira, “a dívida externa constitui um terrível problema para a vida brasileira, com dívidas contraídas sem a legitimidade da aprovação do Congresso Nacional, sobretudo durante a vigência do Estado autoritário, responsável pelo quantum de 99% da dívida externa brasileira. A dívida chegou a ser contraída por simples decreto-lei e por uma autarquia federal, que é o Banco Central da República, razão pela qual sempre levantou a enorme grita da consciência jurídica brasileira mais lúcida, destacando-se, entre outros, a figura ímpar de Barbosa Lima Sobrinha”.
A histórica e calculada protelação, o depois para o depois, foi configurando novas situações que definiram nova realidade.
E, apesar da competente colunista reconhecer que “bandalheiras históricas estão na origem da dívida atual”, ela faz acertadamente uma ressalva quanto ao fato de que o “governo há muito tempo vende seus títulos no mercado em moeda nacional”. Por consequência, “anular uma parte da dívida e deixar de pagar juros a seus detentores atuais, que nada têm a ver com a bandalheira original, criaria artificialmente um risco de default e acabaria por elevar a taxa de juros exigidos sobre novos títulos”. Tratam-se, no caso, de terceiros de boa-fé, que realmente não podem ser prejudicados. O relevante, que destaco no artigo, outra vez, é o problema dos juros altos, que, quando elevados, imediatamente elevam o estoque da dívida anexado a ela. Entretanto, mesmo que agora a questão em debate não seja mais a origem da dívida, mas sim juros altos, não se pode perder de vista a omissão histórica que essa matéria relevante acumulou, revelando a inutilidade de uma mobilização popular de milhões de brasileiros sobre a exigência imperativa da Assembleia Nacional Constituinte, que celebrou o pacto da convivência nacional.
O fato é que já está historicamente consumada, por omissão coletiva, com a proteção que nossos governantes e representantes do povo deram à grande questão que faria a sangria da Petrobrás aparecer como matéria destinada ao julgamento pelo juizado de pequenas causas.