Publicado em: Jornal Enfim. Ribeirão Preto, 18 ago. 2018.
A ameaça que paira sobre a credibilidade e a continuidade da Lava Jato não reside em quem a combate. Afinal, desventrar a corrupção constitui obrigação dos órgãos e instituições do Estado e também da cidadania, tanto que uns investigam com base em indícios fortes, outros denunciam com probabilidade de crime, e outros julgam com provas, jamais com presunções ou convicções pessoais substitutas de provas. Tanto mais perigoso é julgar por suposições ou preconceito quando se sabe que a imparcialidade constitui uma ficção que a jurisprudência veicula como doutrina consagrada. O que deve existir é o esforço honesto para se chegar o mais próximo possível da imparcialidade, evitando-se que o preconceito ou a conveniência político-partidária ou ideológica arraste o servidor do Estado, que deve agir discretamente, para o pântano enganoso da justiça de fancaria.
Por exemplo, se for adotado o critério de se pagar indenização para pessoas presas, cautelar ou preventivamente, se e quando absolvidas, tal como sugeriu o juiz curitibano, o abuso impune das autoridades refletirá no bolso de cada um de nós: nós pagaremos a indenização com dinheiro nosso.
Surge, como exemplo, a consequência de uma absolvição de grande ameaça ao nosso bolso. O prejuízo é da pessoa jurídica, que se investe dos direitos fundamentais da pessoa naquilo que couber, diz a lei civil.
O BTG Pactual, banco de investimentos cuja prática bancária é de “rigoroso controle de riscos”, teve seu presidente preso. A prisão dele variou entre domiciliar, temporária, depois preventiva. O mercado ficou abalado e a consequência foi que a notícia assustou investidores. Alvo de saques, o banco vendeu carteiras de empréstimo e ativos e levantou uma linha de crédito junto ao Fundo Garantidor de Crédito. Esse tsunami financeiro foi provocado pela santidade das leis aplicada por seus fiéis e abusivos operadores.
No caso do BTG não se tem notícia de valor provável de seu prejuízo, mas banco, quando ganha, ganha muito, quando perde, perde muito. Qual teria sido o prejuízo dessa pessoa jurídica? Milhões, bilhões? Quem estimá-lo certamente não será premiado pela Lava-Jato. Com certeza esse valor será maior do que se conseguiu recuperar da corrupção descoberta.
Se o abuso é o tema, torna-se necessária – outra vez – a lembrança daquele cometido pelo grande juiz espanhol, Baltasar Garzón, que ficou internacionalmente conhecido com a ordem de prisão expedida contra o general Pinochet, o genocida chileno. Ele autorizou uma gravação ilegal de um empresário preso coincidentemente por corrupção. O Supremo Tribunal Espanhol aplicou-lhe dura e exemplar sanção, suspendendo-o das funções por onze anos. Aqui, nesse Brasil desossado, um juiz, sem competência legal, veiculou na imprensa uma gravação presidencial. Quando o ministro do Supremo Tribunal disse ser ilegal tal publicidade, o juiz correu, pedindo desculpas à Corte, mas o calculado mal social e político já estava consumado com sucesso calculado. Apesar da ilegalidade manifesta – e do abuso confessado –, o pedido de desculpas foi ignorado na entrevista dada posteriormente pelo juiz, para matutino paulista, pois ele simplesmente justificou absurdamente o ato absurdo. Nada de falar das desculpas.
Esse é o nosso risco por causa de abusos oficiais e a verdadeira ameaça à Lava Jato.