A civilização, mesmo com os princípios de tantas e tão diferentes religiões que pregam o amor e a irmandade entre os seres humanos, como também o genuíno respeito à natureza, não conseguiu abafar o instinto de maldade e morte que espreita o impulso para sua realização, como o da estupidez.
Quando se vive num ambiente de cuidado à pacificação social, mediante a tolerância e o respeito construído por uma educação não guerreira, não miliciana, a competição entre os humanos chega a ser forte, às vezes fortíssima, mas não atinge nunca a vontade de extermínio do outro.
Quando se vive num ambiente de divulgação do ódio – inqualificável num regime democrático – ainda que incipiente, esse faz com que o instinto da maldade e da morte ganhe alento e incentivo para a destruição.
A divulgação continuada do discurso oficial do ódio, mesmo que dissimulado – ora contra pessoas ora contra instituições ou contra a natureza – ; seu fluxo, em verdade, representa a brutalidade com que esse se expande vagarosamente na sociedade, aprofundando não só a insegurança jurídica, mas contaminando a incerteza social, por meio da qual o medo sempre adere às pessoas como consequência. No início dessa etapa nebulosa, quando não se tem perspectiva de avanço, o discurso da violência dá foro de legitimidade à afirmação de que o homem continua o lobo do homem. Seu sucesso está na simplicidade com a qual resolve problemas complexos, na mentira que encarna, repetidas vezes, até que seja credenciada como verdade.
Esse fenômeno de elogio ao ódio por meio de um político, por exemplo, ganha inadvertidamente simpatia entre muitos jovens, simplesmente porque revela a capacidade de violar-se, descarada e impunemente, a lei e o pacto social que garantiriam a convivência pacífica. Afinal, nossa sociedade não vive mais sob o “imperativo categórico” da lei, com o espírito esparramado de solidariedade, uma vez que, doravante, o que está valendo é a individualidade, a capacidade de cada um, a arrogância dada pela supercomunicação e superinformação expressa por uma linguagem quase monossilábica na qual o ego se expõe na telinha do computador, como mercadoria disponível ao consumo.
O ódio não se dissemina num só relance. Ele vai caminhando, devagarinho, como que apostando no que tem de negativo no espírito de homens e mulheres, até ter seu momento de glória e sangue.
Instala-se. Só que a história, que é sempre inacabada, segue seu rumo, engolindo homens e instituições, num vagar que, contudo, inspira os sonhadores de todos os tempos, aqueles que trazem a tocha da esperança contra os representantes do ódio.
Nesse quadro de terror anunciado, a lembrança da tortura, como método de investigação do Estado terrorista, define-se como a relação que humilha o torturado e apodrece, moralmente, o torturador.
Sem a força da moral, torturador não pode ser herói, salvo na pátria dos pigmeus morais, que não é a nossa.