A prisão de desembargador da Bahia, porque fez da magistratura o espaço igual ao de um bazar especializado em vendas de sentenças judiciais, não foi a primeira nem será a última. Não significa, porém, que devido a ela todo sistema de justiça está podre. Qualquer generalidade envolve injustamente homens e mulheres que se dedicam decentemente ao cumprimento de seu trabalho.
Mas, indiscutivelmente, o sistema de justiça do Brasil está convulsionado, sem que o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público possam fazer rapidamente o que com agilidade é preciso. E nessa pequena ou grande demora certamente tem uma pitada leve ou forte da solidariedade corporativa, que sempre encontra um desvio salvador do acusado, até que um dia, não seja mais viável …
Pior do que a prisão do desembargador como sintoma de descrédito e crise que a institucionalidade brasileira sofre, é o que se pode avaliar com a conduta do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, e do ex-magistrado Sérgio Moro, que se apresentaram como convidados ao Congresso Nacional para discutirem a prisão após condenação em segunda instância.
O ministro do Supremo Tribunal não guardou a discrição devida, quando presidente do Superior Tribunal Eleitoral, uma vez que com outro “consultor jurídico”, Deltan Dallagnol, fizeram ambos a atenciosa palestra, em recinto reservado, no templo do poder financeiro. Ele era então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, e o evento ocorreu antes das eleições que o ministro presidiria e presidiu.
Depois, disse que, no ano seguinte, ele seria o Presidente do Supremo e que iria “defender a Lava Jato”. Mas, ele não é magistrado que julga? Afinal, antecipar voto, singularizado ou universalizado, como ocorreu, não configura motivo de suspeição e impedimento absoluto para esse julgador julgar? Nem é preciso recordar que a tal Lava Jato está desmoralizada pela Vaza Jato, mas continua confrontando o Supremo Tribunal Federal. De nada serviu a lição do saudoso Teori Zavascki, para quem pensa que “[…] no caso do Judiciário tem que haver uma autocontenção, importante para a democracia. O Judiciário não pode ocupar o lugar do Parlamento” (In: “Os Onze: O STF, os bastidores e suas crises”, Companhia das Letras, p.61).
Esse confronto é maléfico, mas persistente. Ainda há pouco, o iniciador e animador dessa prática perniciosa repete como ministro da justiça que “o STF ampliou percepção sobre corrupção” (Folha de São Paulo, 12 dez. 2019). Mas, do ministro Marco Aurélio recebeu elegante resposta que neutraliza a prática impune daquele que pretende desmoralizar as instituições como meio de crescer politicamente. O ministro Marco Aurélio retrucou:“Quem tem o mínimo de conhecimento técnico e ama a lei das leis, não pode ter dúvidas”. E prossegue em sua lição: “É compreensível que o leigo tenha outra percepção. Ele está indignado, quer mudança de rumos e não observa as leis, mas o técnico tem de ter um olhar fidedigno sobre a Constituição” (Folha de São Paulo, 13 dez. 2019).
No dia 11 de dezembro, Fux e Moro foram ao Congresso, como convidados, para um debate sobre a necessidade de alteração da lei que trata a prisão após a condenação em segunda instância. A rigor, a decisão do Supremo não liberaria, como não liberou, o número mentiroso de réus que a mídia e as fakes news anunciaram a granel, para não lembrar que a eventual libertação ainda se submete à superação das hipóteses legais de prisão preventiva, que o magistrado das execuções criminais deve examinar e decidir. Por isso, longe de querer alterar a lei, para novo conflito constitucional, a dupla virtuosa da certeza moral deveria se preocupar, como todos, com a vergonha das prisões brasileiras, ocupadas por 270 mil presos provisórios, ou seja, sem sentença que os faça permanecer ali, em nome da lei.
Mas a decisão do Supremo sobre a constitucionalidade da lei é para ser respeitada. Ela não autoriza ministro, mesmo que vencido na votação, sair em disfarçada campanha para conseguir que sua tese supere a maioria interna do órgão supremo do Poder Judiciário. Há ainda o desembargador do TRF-3 que criticou a decisão do Supremo Tribunal, certo da sua impunidade, que lhe confere heroica arrogância. Há também os procuradores santarrões de Curitiba, a república blindada da perversão da lei. Atitudes não isoladas, mas frequentes na insurgência contra a institucionalidade declarada.
Quanto ao Moro, já está na hora da razão nacional assumir a gandaia jurídica que ele patrocinou, coordenando os procuradores da Lava Jato para construir a maior corrupção na aplicação das leis do judiciário brasileiro. Ele e seus comparsas precisam responder na justiça pela artilharia eleitoral que montaram para ajudar o candidato vitorioso, que lhe garantiu, antecipadamente, o espaço da visibilidade política, compatível com sua ambição desenfreada. Um oportunismo negociado sob a égide da justiça de fancaria. As revelações da Vaza Jato já são mais do que suficiente para fazê-lo retornar para casa, à espera do braço alongado de uma justiça restaurada na ética e no dever.
E isso nada tem a ver com a necessidade de se combater, permanentemente, a corrupção, todo dia, sem nenhum santo rei, mas com e pela consciência democrática organizada, imprensa livre e ministério público não miliciano. A necessidade é da limpeza ética de um Poder e de uma instituição, pontualmente conspurcados, querendo com seu ativismo substituir os outros poderes da República, na invasão indevida do moralismo caboclo, que favorece, com seu espírito vendilhão, a venda político-administrativa do patrimônio nacional, aprofundando o real problema do Brasil, que é a desigualdade social.