Se todos os Presidentes da nova República, excetuando Itamar Franco, tiveram ameaças ou padeceram com a ordem parlamentar de destituição de seu cargo, nenhum Presidente da Câmara teve um assento de cadeira tão alto, como esse do deputado Arthur Lira, pela sobreposição de mais de cem pedidos de impeachment, ou seja, de afastamento o Presidente da República.
Ele se assenta desconfortavelmente sobre todos os pedidos e parece dizer baixinho “daqui não saio, daqui ninguém me tira”. Afinal, não existe uma regra na Constituição do Brasil, e reproduzível no Regimento Interno da Câmara, que fixe um prazo para ele se pronunciar sobre os pedidos de afastamento do Presidente da República.
Já houve ação judicial, perante o Supremo Tribunal Federal, para suprir essa lacuna, invocando como fundamento o artigo 5º – LXXI da Constituição Federal, segundo o qual “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.
Vê-se, pois, que não há regra reguladora para o Presidente da Câmara Federal e a cidadania tem direito subjetivo, em tese, para acionar a autoridade que está abusando, no exercício de seu cargo, não declarando sim ou não ao pedido de impeachment colocado sob o seu crivo de julgamento.
O pedido foi recusado liminarmente, ou seja, ele foi protocolado e em seguida negado. A Ministra Cármen Lúcia, em seu voto, registra que a Constituição de 1988 recepcionou a Lei nº 10.059/50 e nessa Lei do Impeachment não existe um prazo para o Presidente da Câmara admitir, ou não, a petição que pretenda o mandado de injunção. Essa petição, evidentemente, deve descrever, comprovadamente, os delitos em tese cometidos pelo Presidente da República.
E a decisão, que rejeitou o pedido, concluiu que a decisão do Presidente da Câmara é de natureza política e por isso está submetida ao critério discricionário da conveniência e da oportunidade. Se ele, somente ele, achar não ser nem conveniente, nem oportuno o pedido, a petição sai da sua mesa e vai para o arquivo.
Não é fácil aceitar sem discussão essa decisão monocrática da Ministra do Supremo Tribunal Federal.
Afinal, a Lei do Impeachment é como uma velhusca senhora de mais de setenta anos, que deve ser curvar aos fluxos dos novos tempos.
Só para ficar em um só argumento. Há 72 anos, não ocupava a realidade teórica e prática o direito da participação da cidadania nos debates dos assuntos e dos negócios públicos, o que marca a modernidade democrática. Em razão desse direito reconhecido pelo ordenamento atual, não se pode continuar a admitir que possa existir autoridade alguma, civil ou militar, atuando sem controle social. Que não dizer do agente político, cuja eleição é pelo instrumento democrático do voto direto?
O direito à participação política, ficando represado por uma autoridade, gera insuportável domínio de um só, que não é obrigado a dar seguimento, mas deve ser obrigado a dizer, motivadamente, porque aceita ou rejeita o pedido de afastamento do Presidente da República.
Assim como a Procuradoria Geral da República não pode ser expectadora da CPI da covid-19, no dizer da Ministra Rosa Weber, devendo instaurar o inquérito sobre a eventual inércia do Presidente da República sobre os roedores da moral pública, circulando pelo Ministério da Saúde, segundo a denúncia feita por deputado federal de sua bancada, assim também a representação máxima da Câmara dos Deputados não pode guardar silêncio sobre pedido de afastamento presidencial.
Na Constituição de 1988 celebram-se os princípios escritos e implícitos, tal sua riqueza. Cada princípio pode servir de fonte para suprir-se uma lacuna do ordenamento jurídico. Nas políticas que afetam o meio ambiente ele está expresso, para só citar uma hipótese. Ainda, recolhe-se do texto constitucional o conceito de eficiência aplicável à Administração Pública e o direito da cidadania em obter em tempo razoável a efetivação da prestação judicial, requerida pela cidadania. E o princípio da razoabilidade, que é o regente da ordem jurídica. É razoável sentar-se na montanha das petições e ali ficar, ficar, ficar?
É como se no Parlamento nacional pudesse existir um espaço, denominado cemitério de direitos, em que o abuso abusado é permitido, frustrando-se a sacralidade do voto pela atuação do coveiro engravatado.