Quando um grupo pequeno de empresários do centro de Ribeirão Preto começa a batalha pela sua revitalização, parece que a energia condensada e antiga de milhares de pessoas que ali viviam, que ali trabalhavam, que por ali circulavam, que por ali passeavam − jovens, mulheres, adultos, crianças, seus construtores, seus pedreiros, artistas, intelectuais, empresários, profissionais liberais − esparramou-se como um sopro indizível, querendo ressurreição material, como se só assim o corpo pudesse procurar sua própria alma, aquela mesma que deu força de expansão à vida da cidade.
Não se pode deixar de supor o amargor dessa energia ressuscitada com o desamor com que o centro foi tratado por administrações sucessivas, cuja negligência ofereceu às garras do tempo o pincel de sua degradação, ou pelos destruidores noturnos, que fizeram vir a baixo, de repente, a arquitetura que iria testemunhar as linhas predominantes de uma época, a qualidade de seus produtos, o capricho do material utilizado, a arte de sua construção. As paredes externas e internas teriam capturado para sempre o auditório do ir e vir de gerações, suas juras de amor, os desenhos, os enfeites, as palavras duras de algum conflito breve e sem consequência, a peregrinação noturna dos poetas e dos sonhadores. Teriam guardado a moldura real das figuras exóticas que nelas se enquadravam, como testemunhas imóveis daquele passado, que teria a linha de sua continuidade até o presente, que ressente sua quebra pela vontade omissiva de homens vitoriosos, mas sem o sentimento de dever com a memória do que já era singular e próprio daquela época e daquele tempo.
Não se pode deixar de supor o amargor dessa energia ressuscitada com a falta de cuidado, gosto e estética nas obras públicas que nele se realizaram. Uma prova de negligência na execução de serviços, apesar de tantas reuniões, como a de calçadão, que visitaram na época na cidade de Curitiba. O triste é que, se não souberam fazer bem feito, também não souberam imitar. Uma incapacidade absoluta, escondida sempre na arrogância da vitória.
Quando se confere valor ao espaço que o tempo desvalorizou, as pessoas que frequentam-no se sentem valorizadas, sentem que há respeito por elas; e a preservação se faz com maior intensidade; e o convívio, com o tempo, passa a ser prazeroso, como uma extensão da sua própria casa.
Revitalizado agora, nunca mais precisará ser revitalizado, pois a sua alma está ressuscitada, e a capacidade dos homens públicos − por milagre, quiçá! – até ajudou com políticas públicas definitivas, desfazendo a certeza, nessa ponta de iceberg de nossa realidade, de que nossas instituições republicanas não são meras molduras de frentes de trabalho para agentes dedicados ao conveniente “faz de conta”.
Publicado originalmente em Jornal do Centro, em 20 mar. 2013