A democracia é um sistema de organização política da sociedade que, como construção histórica, está sempre inacabada. Seu avanço não é linear, o que faz com que, ora por vez, ela dê passos para traz.
Nossas instituições estão, pois, dentro desse movimento contínuo, sujeitas permanentemente à visão crítica de seus contemporâneos, nem sempre desejosos de aperfeiçoamentos e avanços. Muitos de boa-fé trocam o avanço pelo retrocesso.
Não acredito assim que a insurgência representada pela Proposta de Emenda Constitucional 37 (PEC-37) represente um avanço institucional. Ela retira do Ministério Público a prerrogativa para investigar atos tidos como criminosos, deixando para a polícia a exclusividade desse trabalho de investigação. Há quem diga, em favor da PEC-37, que o Ministério Público ainda continuaria controlando a polícia.
Negar tal projeto não significa concordar que o Ministério Público, como instituição, deva ficar como está. O mesmo raciocínio vale para o Poder Judiciário. Tais órgãos, com os atributos e as prerrogativas que ambos têm, concentrando o poder de autoridade que concentram, necessitam evidentemente de um controle social que garanta o máximo de transparência, para que se tenha, na democracia republicana, representativa e participativa, o devido contrapeso, necessário à carreira política, máxime quando se constata o chamado “ativismo” de promotores e magistrados.
A carreira político-partidária, que é uma carreira de exposição, sujeita-se diariamente ao efetivo controle social por ação da imprensa e também por ação de outros meios, como as organizações sociais, no seu sentido mais amplo, e mais substancialmente por meio do silêncio das urnas nas eleições periódicas.
Ministério Público e Poder Judiciário precisam ter na evolução constitucional a definição de um controle social efetivo, mesmo que o chamado “ativismo” dessas instituições retroaja à discrição, absolutamente necessária e determinada pela natureza do instrumento de acesso aos seus cargos e funções, ou seja, pelo concurso público.
Essa necessidade, porém, nada tem a ver com o fato de retirar-se do Ministério Público o poder de investigação, mesmo que se alegue como necessidade combater o abuso que houve, e que ainda há, entre tais ou quais membros.
Se internacionalmente, para os crimes transnacionais, os diplomas legais das Nações Unidas exigem que a investigação não seja feita por um só órgão (no caso a polícia), a verdade é que o crescimento da criminalidade interna impõe que se estenda esse poder de investigação, ao menos, a dois órgãos ou instituições. Não pode haver a exclusividade para um só.
Evidentemente que o poder e as prerrogativas de uma carreira ou instituição conferem a ela mais do que um prestígio social e, portanto, de influência. Por isso, se, de um lado, não se pode deixar seus membros sem a blindagem necessária para executar seu trabalho quase que impermeáveis às pressões políticas, do poder econômico ou de qualquer outra natureza, de outro lado, é preciso controle dessa atividade.
Um servidor policial pode ser removido ou transferido por decisão de seu chefe, à medida que uma pressão bem sucedida convença-o a fazê-lo. Ao contrário, qualquer desconforto causado pela investigação do Ministério Público cerca o promotor de segurança absoluta, pois, esse só pode ser removido ou transferido mediante processo administrativo regular, no qual se exercita ampla defesa, cuja decisão definitiva pertence ao órgão colegiado da carreira.
O espírito democrático sugere evolução, e não se sabe de nenhuma atividade legislativa ou dos órgãos ligados à administração da justiça que esteja estudando o controle social dessas nossas instituições.
Essa PEC-37, assim, é um retrocesso.
Publicado originalmente no jornal Tribuna de Ribeirão Preto, em 30 abr. 2013 e no jornal mensal Pio Pardo de Presidente Prudente