Um dia, numa viagem de avião para São Paulo foi feita uma pergunta ao senador Amaral Furlan, sobre aquele Prefeito de Campinas, que era do MDB, e foi expulso, por defender o Ato Institucional nº 5, e entrara na Arena, partido do senador. Ele foi fulminante:
– Nós da política amamos a traição e odiamos o traidor.
Essa lição da experiência veio à baila quando assistimos o infortúnio político do ex-governador de São Paulo, Doria. Como candidato a governador foi apadrinhado por Geraldo Alckmin, que era candidato a Presidente da República, naquela eleição de 2018. Naturalmente, o apadrinhado apoiaria o padrinho. Mas Doria não teve nenhum escrúpulo, e lançou a dobradinha da ocasião BolsoDoria, ambos venceram a eleição. Doria sai com a peja de traidor. Não foi só Geraldo Alckmin quem sentiu o golpe, pois as lideranças tradicionais do PSDB, que não o aceitaram, tiveram a sensação de que o Partido estava como um esqueleto sem alma. Recentemente, ele foi governador e com a força de seu cargo conseguiu ganhar as prévias para ser o candidato a presidente da república. Tão logo deixou o cargo para fazer a campanha ambicionada, sua base política se esfacelou, e o seu próprio vice, que assumiu o comando do estado de São Paulo, declarou ser favorável a um nome da chamada terceira via. Não se sabia quem, mas Doria não era. O suplício da rejeição, que tentou superar, internamente, ele não o conseguiu. Foi submetido a uma fritura pública incomum, e é rejeitado pelos partidos que convergem para uma terceira via. Se o atual governador colocou pá de cal no sonho presidencial de Doria, o fato é que nas pesquisas de opinião ele não saía do lugar.
É certo que o desempenho dele, desde o início da pandemia, foi o ponto forte do contraponto que fez contra o nome da assombrada dobradinha, cujo autor a definiu como “gripezinha”, verdadeiro anúncio de sua desastrada administração da crise pandêmica, tal como da sua gestão da política federal.
Mas, se a traição inicial contra seu padrinho Alckmin, atual candidato a vice-presidente da república, foi fruto de um erro no capricho da escolha partidária, o fato é que seu apadrinhado Doria fez dobradinha com o Bolsonaro na eleição de 2018, sendo eleito governador.
Ele fez a tal dobradinha, quando o PSDB tentava manter o mínimo de coerência com o espírito predominante de seus fundadores e de sua história. Entretanto, a intoxicação eleitoral foi de duplicidade corrosiva: contra o seu padrinho e contra o mínimo ético partidário. A cartilha política que se chama lealdade sofreu o estupro e daí saiu o monstro liberado pela deslealdade, para mastigar seu próprio pai.
O tamanho político de Doria não é maior, nem menor do que Bolsonaro. Ambos de seu jeito e maneira estão no mesmo patamar de mediocridade, levando de roldão o tal ministro da economia, que já teve uma leva enorme de colaboradores do ministério fugindo dele e do presidente, pela lerdeza com que não resolviam nada de substancial para o Brasil, mesmo que as soluções propostas fossem contrárias às da oposição política do Brasil.
Nenhum dos dois tem a elevação ética e política para aspirar ou governar o Brasil. Nenhum tem a mínima ideia de como a riqueza brasileira de solo e subsolo pode ser revertida, em benefício da população. Muito menos postura e compostura eles têm para ocupar o máximo cargo de magistrado político do país, que precisa de vocação de estadista. Não de um atacante de baixa categoria.
Por sua vez, Alckmin, que honrou seu posto como vice de Mario Covas, foi um sucessor que se não teve a largueza de visão, que tantos reclamavam, teve, sim, a atuação de dignidade, da compostura, e do equilíbrio, tanto como vice, como governador de São Paulo.
Se errou na escolha, de nenhuma forma ele merecia o tratamento de afoita deslealdade, que lhe destinou o apadrinhado, que ocupava um lugar de discrição máxima, em algum lugar do qual Alckmin o arrancou, fazendo-o seu sucessor.
O estigma de traidor acompanhou o infeliz, até o momento em que em verdadeiro clima de velório desistiu da sua candidatura a presidente. Esse estigma tem força de expansão, democratizando e intoxicando com seu malefício outras siglas partidárias e tantos políticos, que refletem a repulsa de parte da população. Ninguém confia nele.
Quem observou a eficiente discrição de Alckmin como vice, sempre o elogiou pelo espírito eficiente e cooperativo com o titular do governo, jamais praticando ato algum que pudesse colocar em dúvida sua lealdade e a maneira respeitosa como tratava especialmente seus partidários, sem desmerecer os que lhe faziam oposição.
A traição constitui o fantasma aterrador das pretensões de Doria, para qualquer ambição sua, no mundo da política.
E Alckmin, candidato a vice, oferece o seu patrimônio político ao adversário de ontem, para continuar sendo a pessoa equilibrada, declarando que qualquer diferença é aparada, quando se trata de defender a democracia, e que garantiu a ele uma vida política vitoriosa.
E em matéria de ética, Doria e Bolsonaro são irmãos siameses.