Quando a pressão popular é grande, a primeira atitude de políticos é votar uma lei salvadora, salvífica, salve, salve, sobre tal ou qual assunto. Geralmente, não focam no que realmente precisa ser mudado. Escolhem um ponto que lhes permita fazer onda na próxima eleição.
A “reforma política”, sem discussão séria com a sociedade civil, é mais uma prova dessa prática legislativa. Felizmente, o chamado distritão foi derrotado no plenário da Câmara.
Por esse sistema, no âmbito de um território que pode ser composto de cidades ou de estados, seriam consagrados como eleitos simplesmente os mais votados. Esse modelo é adotado por dois países, a Jordânia e o Afeganistão, este desde 2005.
No Afeganistão, por exemplo, culturalmente desenvolveu-se a exigência de unanimidade, o que “cria incentivos para que os indivíduos, ainda muito jovens, desenvolvam habilidades de negociação e de exercício político de extrema sofisticação”, mas, apesar disso, esse modelo eleitoral formou um clientelismo e gerou corrupção, o que coloca o país em destaque nas pesquisas dos organismos internacionais. Barnett R. Rubin, diretor-associado do Centro Internacional de Cooperação do Programa Afeganistão-Paquistão da Universidade de Nova York, declara: “Os líderes afegãos optaram em 2005 por esse sistema não só pela facilidade de compreensão, mas porque ele marginaliza os partidos políticos e enganosamente parece promover um elo direto entre o eleitor e seus representantes”. Tanto que esse país já fala em reforma política. A Jordânia, por sua vez, é uma monarquia parlamentarista, com um Senado, com quarenta membros escolhidos pelo rei, e uma Casa de Representantes com oitenta membros. No entanto, a experiência ocidental é outra. Em nenhum deles fala-se da sociedade civil organizada ou da democracia participativa, mantra de nossa experiência recente.
Não é preciso falar que o poder econômico iria deitar e rolar nesse modelo do distritão, que elege o mais votado e que, felizmente, foi rejeitado pela Câmara. Tal modelo destroça a representação partidária com a opção pelo “culto à personalidade” inovadoramente sem partidos.
A ideia democrática, atualmente dita democracia participativa, prevê a existência e a representação de partidos, que não esgotam a representatividade da sociedade, que os abastece com entidades paralelas de representação de interesses e direitos. E, mesmo assim, se acaso eles não estão cumprindo seu papel com transparência e eficácia, até pela desmoralização da facilidade com que se funda um novo partido, cabe reformar essa legislação facilitadora para fazer cumprir a exigência de transparência e termos um quociente de representatividade maior com o primado e a inspiração da participação política.
O sistema atual, conhecido como “proporcional de lista aberta”, consagra a eleição para vereadores e deputados há setenta anos, e é óbvio que precisa de aperfeiçoamento. Nele, a ideia de quociente eleitoral é fundamental para garantir o direito dos votos minoritários. Com esse sistema, não há desperdício de voto. Ou se elege o do seu partido, ou o candidato do partido coligado. O quociente eleitoral é obtido dividindo-se o número de votos da legenda pelo número de candidatos que concorreram. Assim, um deputado com menos votos será ajudado por outro, mas dentro do mesmo partido ou coligação. Acontece que as coligações garantem maior tempo de televisão, e frequentemente uma coligação acontece só para garantir maior tempo televisivo. Não é incomum que partidos pequenos se prestem a isso.
Por isso, uma discussão séria e ampla deveria aprofundar a nossa experiência de setenta anos de convivência com o sistema eleitoral vigente. O financiamento de campanha seria só público, ou só privado, ou misto com limite de valor doado? As empresas, que não são votantes, poderiam fazer doação, com ou sem limite de valor? E parlamentares eleitos poderiam ocupar cargos no poder Executivo? Outra questão é a da coligação de partidos nas eleições proporcionais, ou seja, nas eleições de vereador e deputados. Hoje, com a possibilidade de coligações, é possível eleger um nome do outro partido coligado, que não é o seu.
Apesar dos defeitos apontados, o sistema atual seguramente serve mais à diversidade, à pluralidade de ideias e interesses.
A atitude do presidente da Câmara dos Deputados foi comprometedora, e rejeitada também por isso certamente. Ele dizia que a tal reforma poderia passar, já que elege o mais votado. E, se tal proposta dependesse de uma consulta plebiscitária, o povo votaria nela, pois é mais fácil de ser explicada e mais fácil de ser entendida.
Esse pressuposto de facilidade revela objetivamente um desapreço pela maioria do Congresso Nacional e um desapreço pelo povo brasileiro, especialmente quando não se discute amplamente com a sociedade tema de tantas nuances e de tanta importância, e nem se dispõe a isso.
O que o Congresso poderia fazer é exigir que o ministro Gilmar Mendes apresente seu voto na questão da proibição do financiamento empresarial de campanhas políticas, pois, entende-se até aqui ser inconstitucional esse financiamento, porque empresa não é eleitora. O ministro está com o processo proposto pela Ordem os Advogados do Brasil há mais de um ano, e a maioria do plenário do Supremo Tribunal Federal já decidiu contra tal financiamento, mesmo que o voto de cada ministro ainda possa ser mudado.
No entanto, ouvir o povo por meio de um debate amplo, geral e irrestrito exige não só compromisso com o futuro do Brasil e fidelidade aos postulados da democracia participativa, mas fundamentalmente coragem política e moral.