A legalização da escravidão no Brasil terminou em 13 de maio de 1888, com a Lei Áurea; a última da monarquia constitucional parlamentarista, que acabou com a Proclamação da República, terminou no dia 15 de novembro de 1889.
“No Brasil, não obstante a brutalidade óbvia da escravidão, as palavras parecerem não conseguir dizer as coisas claramente, nem então, nem hoje”, registra Luís Augusto Fischer (Folha de S.Paulo, 6 set. 2018). Até hoje, após 130 anos da lei libertadora, e com a Ordem dos Advogados, Seção de São Paulo, celebrando recente e solenemente a “Escravidão Inacabada”, prova-se que as palavras não estocaram suficientemente a consciência de nossa nacionalidade, para fazê-la geral, operativa, estruturante e construtora de um sentimento de nação, que se esvaiu.
O retrógado discurso da contribuição da “indolência do índio” e da “malandragem do negro”, que parecia desaparecido por simples estupidez, pisoteia sobre o óbvio de que tais vertentes étnicas enriquecem, desde sempre, a cultura do país, impregnando desde nossos hábitos, raramente nossa ciência, nossa cozinha, nossos palcos até os campos de esporte, meio de maior mobilidade social, especialmente dos afrodescendentes. Na verdade, a discriminação e o preconceito declarados se esquecem da maioria de nossa população, que é parda, miscigenada, para fazer uma civilização incomum, livre e criativa.
A arte da época não traz o horror da escravidão, já que negro não pintava negro, e os artistas brancos premiavam seu público branco com obras que precisavam ser vendidas, e para quais a escravidão provinha de um decreto divino.
Se a singeleza da lei libertária não revela por si o que foram séculos de brutalidade torturante de milhões de africanos, ela revela que não foi suficiente para integrar milhões de famílias no processo econômico da produção, no processo econômico do consumo, no processo educacional e cultural da criação.
O Brasil não assumiu ainda o Brasil real, com a riqueza de sua formação étnica com o índio, o negro e o branco.
Roberto Mangabeira Unger, em Depois do Colonialismo Mental, em que repensa a reorganização do Brasil, apresenta três traços de nossa trajetória histórica: no último, ele se refere a um conjunto de interpretações do Brasil, que “ameaça tornar-se uma profecia que se cumpre por si mesma”; no segundo, ele se refere às nações antigas e modernas, que enfrentaram guerras, rupturas e sacrifícios, que “afirmaram sua personalidade e aprenderam a pagar o custo da independência”; e, para o primeiro traço, ele identifica “O sonho da riqueza fácil, graças à prodigalidade e aos tesouros da natureza, substituiu a construção penosa do capital social. E a escravatura e seu legado facilitaram o aviltamento radical do trabalho: nada foi, ou continua a ser, tão barato no Brasil quanto a força de trabalho de um negro. Enfraqueceu a coesão nacional. Orientou o Brasil para ser um acampamento em vez de ser uma nação – acampamento de saqueadores e de suas vítimas”.