O direito de greve nasceu de lutas operárias, que compõem o quadro histórico das conquistas sociais.
A razão da grave, lá no seu nascedouro, era combater o lucro desenfreado. Na verdade, ela denunciava a desproteção da relação empregatícia, a ausência de perspectiva positiva para o homem e a sua família.
Fundamentalmente, era a exploração da mão de obra operária em estado bruto, era o “laissez-faire” (deixa-fazer) que favoreciam sempre o economicamente mais forte.
No vagar do tempo, a greve foi se incrustando nas legislações dos países.
No Brasil, com a Constituição de 1988, esse direito foi conquistado pelos servidores públicos, apesar de o Estado não ter em suas receitas a categoria do chamado “lucro”. Diferentemente do empresário privado, que pode direcionar seu lucro para o que achar conveniente e melhor, o Estado só pode direcionar suas receitas para finalidades específicas, consagradas na Lei do Orçamento, que é a sua lei vital que vincula todo tipo de despesa, apresentando do outro lado dessa equação uma receita estimada. Nenhuma despesa pode ser realizada sem que haja uma previsão legal. Se o empresário faz o que acha que deve fazer, com o Estado é diferente, já que nada pode ser realizado ou feito sem a autorização da lei.
É diferente o empregado de empresa privada, quando comparado com o servidor público. A segurança que reveste o servidor público em seu cargo e em sua função é incomparavelmente maior do que a segurança do empregado em empresa privada, devido a todo um arsenal de leis protecionistas que lhe servem de blindagem.
Essa reflexão ocorre no momento em que o Brasil atravessa uma situação de anomalia funcional grave, com servidores públicos em greve por melhores salários.
A responsabilidade do servidor público, que já é grande e não suporta nenhuma paralização, só se agrava mais e mais com a crise internacional, pois se a nossa economia tem se mantido graças ao mercado interno expandido, as políticas públicas estão em risco com a redução do Produto Interno Bruto (PIB) e a frustração do desenvolvimento de nosso parque industrial e das demais políticas públicas, definidas como dever do Estado.
O destaque negativo dessa greve aparece no vídeo da televisão, com centenas de navios nos portos brasileiros que não podem descarregar nem carregar produtos comprados e vendidos, gerando um prejuízo por causa de agentes públicos de número reduzido, que provocam um prejuízo incalculável – quando não deveriam causar nenhum – ao Brasil e a tantas pessoas ou empresas que dependem dessas mercadorias ou desses produtos para a continuidade de seus negócios.
Não se pode aceitar essa paralização como decorrente do exercício regular do direito de greve. Essa imobilidade não é greve, é uma omissão criminosa que não pode simplesmente existir, muito menos ser repetida.
Outro destaque negativo que aparece no vídeo da televisão tem como atores principais os servidores públicos federais. Eles tem, por dever de oficio, a responsabilidade de exercer o poder de polícia em nossas fronteiras e em nossas alfândegas. No entanto, com essa greve criminosa deixam livres nossas fronteiras e alfândegas dos nossos aeroportos internacionais. Essa omissão os converte em colaboradores diretos do contrabando e do tráfico de drogas.
Não há bom senso que suporte tal extravagância, tal excesso, tal abuso, simplesmente porque o serviço público não pode parar, não pode ficar imobilizado, à espera do capricho de seus servidores em querer voltar ao trabalho regular.
Se o serviço público não pode parar, o direito de greve dos servidores precisa ser regulamentado pelo Congresso Nacional, não deixando por mais tempo a aplicação da lei de greve dos trabalhadores, que foi estendida aos servidores públicos por decisão do Supremo Tribunal Federal, já que o Poder Legislativo pratica, nesse caso, mais uma lamentável omissão, protelando a necessária regulamentação desse direito.
O preparo de nossos servidores quanto às suas responsabilidades funcionais e à finalidade delas deve também passar por prévio período de conscientização, antes de seu ingresso na seara sedutora do espaço público, para que saibam que seu trabalho não permite o ócio criminoso.
O ócio criminoso resulta do exercício pervertido do direito de greve, pois o serviço público não pode parar.
O prejuízo gerado por uns poucos, sempre poucos diante das milhões de pessoas que formam o povo brasileiro, não pode servir de instrumento de pressão para obter aumento salarial. Vejam a desproporção do prejuízo entre a greve do setor privado, ou seja, que envolve uma determinada categoria de trabalhadores vinculada a determinadas empresas, e a greve do setor público.
Esse quadro de greve, absolutamente impensável num sistema democrático de responsabilidade pessoal e social, leva muitos a pensar se o servidor público deve ter mesmo direito à greve, ou se a irresponsabilidade do Poder Legislativo deve abandonar-se ao dever de uma regulamentação que faça jus ao interesse nacional, com os servidores recebendo o que merecem, como remuneração.
Publicado originalmente em Enfim, em 31 de agosto de 2012