A questão – convertida em tormentosa – da ampliação e internacionalização do Aeroporto Leite Lopes de nossa Ribeirão Preto está aprisionada num impasse, que até sugere que não percamos mais tempo, especialmente definindo e apontando culpados, seja pelo atraso, seja pela não efetivação de alternativas, seja pelo que representa de prejuízo à cidade a contenção do seu potencial de desenvolvimento.

Também, não há dúvida quanto à sacralidade do direito à moradia de toda população situada no entorno do aeroporto. A consciência jurídica nacional já elevou à categoria de direito fundamental de cada pessoa o direito à casa própria, não significando, porém, que o interesse público não possa respeitá-lo em outra rua, ou em qualquer outro bairro, se transferência houver.

O que se destaca unicamente é a barragem fincada pelo Termo de Ajustamento de Conduta que o Ministério Público e o Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo (DAESP) assinaram, que é considerado agora como impedimento absoluto a qualquer continuidade da ação que visa à ampliação do aeroporto, apesar do desprezo à presença da Prefeitura no documento oficial.

Esse Termo, como qualquer homologação judicial, é passível de ser rescindido, ainda que em hipóteses restritas. Uma delas, seguramente a mais consistente, é a hipótese da sua nulidade absoluta, por vício insanável.

O Termo, assinado sem a presença da Prefeitura Municipal, se aparentemente está em ordem, na verdade constitui uma disfunção no sistema de competência constitucional do país, já que se tem um Poder Municipal enraizado na soberania popular. O Ministério Público não é Poder, apesar de suas competências levarem-no às vezes a pensar que ele é, especialmente quando algum membro seu apropria-se esporadicamente da atuação pública de um partido político para tentar e até conseguir ser eleito.

O Termo de Ajustamento estabelece o que se chama aqui impropriamente de “lei”, porque a “homologação judicial” incide sobre uma área de política pública que cabe ora ao Município em caráter de exclusividade, ora a uma coparticipação do Município com o Estado, definindo o que é melhor, ou impossível, na política de ocupação e desenvolvimento da cidade para nossa população, sua história e seu futuro.

O Ministério Público avançou admirável e institucionalmente com a Constituição de 1988. Todavia, ainda está em formação para realizar a plenitude de sua vocação, a fim de não atropelar, nem ocasionalmente, a representação política dos municípios, consagrada pelo voto livre no sistema político da democracia representativa.

Essa definição política de que não se pode ampliar o aeroporto nem internacionalizá-lo devia (ou deve) ter a participação de qualquer pessoa entidade ou instituição. Não pode o Ministério Público reservar qualquer protagonismo, porque ele deve ser, no caso, mero coadjuvante na escala da ordem jurídica brasileira. Seu controle da legalidade vem depois.

O sistema político de representação popular que se enraíza na soberania do povo confere aos representantes políticos eleitos não só a primazia na condução dos negócios e políticas públicas, como também o direito de definir as prioridades das ações sociais inseridas em seus orçamentos: lei vital do Estado e do Município. E o Poder Municipal de nenhuma maneira pode ser preterido, ignorado em qualquer ato relacionado ao seu interesse ou qualquer ação que incida sobre seu território, máxime com a irradiação, em todas as áreas de atividades, locais e regionais, de um Aeroporto ampliado e/ou internacionalizado. O município, afinal, é um ente federativo, “uma peça autônoma da federação brasileira”, trazendo consigo a capacidade constitucional de auto-organização, inclusive.

O marco desse protagonismo inadequado que o Termo de Ajustamento representa resvalou pelo terreno do absurdo, já que a Prefeita sofreu até uma arrogante ameaça de ação de improbidade, algo absolutamente impensável se ela efetivar o exercício regular de seu direito – e mais, de sua obrigação -, assumindo a iniciativa judicial de revisar o ato homologado, representado pelo Termo de Conduta assinado pelo Ministério Público e pelo DAESP sem a sua presença obrigatória e necessária.

É repetitivo dizer – mas é bom que se repita – que o espaço do aeroporto, independentemente de sua propriedade física, está inserido no território do município, e sobre ele a política de ocupação e desenvolvimento é ditada pela Prefeitura e pela Câmara Municipal, não pelo Ministério Publico, que deve reservar-se rigorosamente à discrição funcional necessária à toda autoridade não eleita pelo voto popular.

E aquela justificativa de que a instituição defende a sociedade – se é verdadeira – não autoriza esse tipo de atuação, que sucumbe a força da autoridade eleita diretamente pela sociedade, o que converte o eleito, seu primeiro defensor (ou defensora), a alguém sem coparticipação alguma.

O Termo de Ajustamento contém esse vício insanável. E não estando ele integrado à presença obrigatória da entidade política que representa o Município, ele é juridicamente nulo, imprestável.

Sra. prefeita, eis uma singela contribuição a uma propositura da ação judicial para anular o mencionado Termo de Ajustamento. Com a certeza, ainda, de que nossas Faculdades de Direito prestariam grande serviço se incluíssem em sua pauta essa discussão, pois, debatendo e refletindo, poderíamos inventar um instrumento de “controle social” de todas as instituições brasileiras, para o qual antecipo, até, uma interrogação: “Como entra o controle da soberania popular em nossas Instituições?”.

Publicado originalmente em O Diário, em 22 de março de 2011