O sentimento é de frustração quando se lê que vereadores levaram ao Ministério Público representação para que se apure irregularidades em licitação de um órgão municipal, no caso do Departamento de Água e Esgoto de Ribeirão Preto (DAERP).

Depois da Constituição de 1988, o vereador não pode ser confundido com estafeta do Ministério Público.

A nova ordem constitucional conferiu aos municípios a categoria de poder e “a fiscalização do município é exercida pelo Poder Legislativo municipal […]”, sendo que o controle externo “é exercido com auxílio do Tribunal de Contas”. A Lei Orgânica do Município, no capítulo sobre a “competência privativa da Câmara”, menciona claramente a competência de “fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo, inclusive os da administração indireta e fundacional”. A Constituição Estadual estabelece o direito à participação da cidadania, garantindo que “qualquer cidadão, partido político, associação ou entidade sindical é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ao Tribunal de Contas ou Assembleia Legislativa”.

O Ministério Público tem o dever de realizar o controle da legalidade ou da constitucionalidade, mas depois, a posteriori.

Se assim não fosse, qual o sentido dos poderes constitucionais conferidos à instituição que acolhe a representação pelo voto direto, resultante da expressão da soberania popular?

Se a carreira do Ministério Público é a da discrição, porque provida por concurso, a carreira política é a carreira da exibição pública. Nela a tribuna se pontifica, como caixa de ressonância das aspirações populares, cujos discursos, atualmente poucos, deveriam ser exaustivos até, especialmente quando se refere a licitações, portanto, às despesas públicas.

Hoje, diz-se “conhecimento em tempo real” graças à tecnologia da comunicação. Com ela, a relação parlamentar-cidadania é imediata e a transmissão pela TV das sessões da Câmara é um dos meios desse conhecimento que conscientiza e serve eficazmente de mobilização. É preciso esgotar esses instrumentos institucionais, numa autêntica pedagogia democrática para aperfeiçoar permanentemente o sistema, valorizando o Poder Legislativo, sempre com o respeito à cidadania, que votou em um, mas é representada por todos.

O parlamentar dispõe para sua atuação eficaz e competente de alguns cargos em comissão, ou seja, de cargos que dispensam o concurso público, mas que exigem requisitos de preparo técnico para capacitar adequadamente em atuação.

Por isso, abdicar desses instrumentos constitucionais de fiscalização para levar ao Ministério Público um pedido de providência é assinar publicamente uma autorredução de sua altivez e dignidade. Nesse sentido é que o vereador não pode se traduzir como estafeta do Ministério Público.

O espectro político de nossa representação parlamentar já levou o Supremo Tribunal Federal a reconhecer o Estatuto Constitucional das Minorias, que garante a quem assiste o direito de fiscalizar o exercício do Poder, prerrogativa institucional de investigação “por motivo determinado e tempo certo”, cumprindo-se o requisito de um terço de assinaturas no requerimento de investigação. Assinaturas essas que não podem ser retiradas do requerimento depois de protocolado junto à mesa do Poder Legislativo.

O significado atribuído pela Suprema Corte ao direito das minorias legislativas, que não pode ser frustrado pelas maiorias, é o do reconhecimento da essencialidade para o regime democrático do direito de investigar.

O parlamentar ainda dispõe da via judicial quando a hipótese for de violação de regra constitucional, única possibilidade de ingerência do Poder Judiciário em outro poder, já que os três (Executivo, Legislativo e Judiciário) são harmônicos e independentes entre si.

Talvez o maior problema do município seja o da sua não constitucionalização, ou seja, o descumprimento disfarçado da lei fundamental do país, do Estado e do município.