O absurdo da barbaridade e da violência não é contada por números para avaliar sua desumanidade. Individual ou coletiva, a violência sempre revela um vírus de podridão e miséria moral.

O jornalista e documentarista Hermes Leal, em entrevista à emissora CBN, anunciou para breve o lançamento de um longa-metragem e de um documentário para televisão cuja narrativa é sobre a guerrilha do Araguaia.

Essa guerrilha, omissa de registro histórico, está presente na alma e nas lembranças de militares e de guerrilheiros sobreviventes. Se para uns a lembrança de desespero e dor invadem os sonhos noturnos, para outros a tremedeira, quando falam depois de tanto tempo, representa uma espécie de exorcismo interno, que dá sensação de alívio, que liberta.

O jornalista conseguiu convencer os militares da neutralidade da sua investigação, que durou dez anos, período em que também localizou seis guerrilheiros que sobreviveram, e que jamais foram ouvidos sobre os fatos.

Esse capítulo da história nacional já tem um título, Vietnã Brasileiro, tal a violência, tal a barbaridade. Para todos os participantes, a idade também lhe impunha o dever de falar, para que tanto o povo brasileiro soubesse, como os familiares dos desaparecidos, a verdade que ninguém contara.

Não existe nada que retrate a fidelidade do episódio sangrento da história do Brasil, dentro do qual não se sabe do destino de 49 pessoas, jovens sonhadores que foram para o norte do estado do Tocantins e sul do Pará sabendo que não tinham retorno.

Militares mortos. Guerrilheiros mortos, incinerados e enterrados. E a surpreendente justificativa dos militares dada na entrevista: “para você eu falo”, “não coopero com os inimigos”.

Certamente, tais inimigos estavam nas comissões que procuraram ouvi-los, e que para as quais sempre se recusaram falar.

A Comissão Nacional da Verdade, com seu excelente e profundo trabalho de reconstrução do período militar, é o principal destino da frase “não coopero com os inimigos”.

Tal expressão nos leva a perguntar: essa comissão teria ido além se tivesse nela uma representação militar, e se não tivesse nela nenhum torturado ou advogados que defenderam os presos políticos?

Se os militares falaram ao documentarista pela confiança de uma investigação neutra, é crível admitir que teria efeito acrescido no trabalho da comissão se houvesse a “confiança na neutralidade”, que demandaria a presença de militares e a ausência de advogados que defenderam presos políticos na sua composição. Seria mais um patamar para o que está faltando no Brasil de hoje: pontes de diálogo.

Esse episódio de nossa história, na sua menor dimensão, compara-se à violência, ao desespero e à barbaridade que devastaram a Colômbia durante anos e anos, matando 260 mil pessoas. O absurdo da barbaridade e da violência não é contada por números para avaliar sua desumanidade. Individual ou coletiva, a violência sempre revela um vírus de podridão e miséria moral.

Lá, com a benção papal, foram construídos os pilares da reconciliação.

E na recente e apoteótica visita ao país vizinho, o papa Francisco com sua autoridade moral, ética e religiosa, apelou para que superassem a vontade ou o espírito de vingança, para efetiva conciliação do país. Um fortíssimo e absorvente anteparo ao direito de familiares, que não só têm o direito de enterrar seus mortos, como também de exigir justiça. Só que a mensagem cristã e apostólica pediu a superação desse sentimento para reconciliação do povo consigo mesmo.

Essa mensagem pontifícia ultrapassa as fronteiras colombianas e envolve um mundo de guerras, terrorismo, furações, fome, desigualdades e injustiças. E nessa insegurança geral, inclui-se o Brasil também com as rebarbas deixadas pelo regime militar.

Seguramente, seremos, porque somos, capazes de avançar na construção do desenvolvimento, que é sempre o novo nome da paz, com pontes de diálogo entre todas as áreas, setores, categorias ou classes.

Em tudo, por todos e agora, com a energia do perdão lançada pelo santo padre, ali tão perto de nós.