Neste momento em que bate à porta do país a sanha militaresca, o filme “Milagre da cela 7” (Netflix) serve de contraponto à onda da desgraça que se avizinha. A direção é de Mehmet Ada Öztekin; um filme turco.

A criança, filha de um chefe militar, cai de um quase-penhasco e morre afogada no mar. O pai assume, descontroladamente, a certeza de que o culpado é Memo, um homem que, na realidade, tentara salvá-la.

O acusado era um homem tido por normal por uns, anormal para outros. Na verdade, trejeitos e falas entrecortadas, olhares desviantes, uma deficiência intelectual não escondia a abundância de amor de Memo por sua filha, Ova, órfã de mãe, cuja leveza de alma, de rosto e de expressão correspondia grandemente ao sentimento afetuoso do pai.

Culpado, a força da autoridade vingadora coloca-o na prisão, junto com outros condenados. Transpirou para eles o motivo da prisão daquele homem estranho. Não lhe faltaram tapas e pontapés pela criança morta. Chutes derrubaram o infeliz, quebrando-lhe costelas, inflamando o rosto com o capricho das porradas. Foi para a enfermaria e se recuperou. Voltou à cela 7.

Ova queria ver o pai, pensava nele, sonhava com ele. O chefe militar determinara o isolamento completo do acusado. A avó, a professora e a menina foram ao presídio, em que receberam a desesperada negativa de não poder vê-lo.

Enquanto os adultos conversavam, a criança sai correndo e grita “papai”, “papai”, até chegar a um muro alto, que separa a voz da filha do pai distraído com seus companheiros.

O grito de um foi ouvido pelo outro, e a ânsia de ambos, o pai tresloucado, a menina gritando “papai”, “papai” durou até que, de um lado, os guardas pegaram a criança e do outro, os companheiros o seguraram pelo consolo.

Ele é condenado a morrer na forca. A força do chefe militar foi implacável e determinante no Tribunal.

Mas o grito milagroso da criança na frieza daquele muro alto, de um lado, e o desespero do pai pela sua filha instigaram o coração de seus companheiros de cela, que resolvem articular o ingresso clandestino da criança no presídio e na cela. Ela contagiou aqueles homens, que se pensam petrificados na solidão da clausura. Ova conta que uma testemunha vira o acidente, e ela o encontrara naquela construção antiga no alto da montanha, que o pai chamava de “gigante de olho”.

Os companheiros de cela mobilizam o diretor do presídio, militares, para encontrarem aquela testemunha, que aliás era um desertor do exército.

Finalmente, encontram e prendem a testemunha, e o chefe militar, pai da vítima, quer ouvi-la naquele pátio imenso, mas a sós. Ele conta o que vira do acidente da filha. Enquanto falava, o militar o circunda, saca o revolver e atira, por trás, na cabeça da testemunha. Arrogante disse – “levem o corpo, ele tentou fugir”.

O condenado, cercado de militares e do diretor do presídio, é conduzido à forca. E o enforcamento se dá.

Nada conto mais, para não satisfazer totalmente à curiosidade de quem possa assistir ao filme, salvo dizendo que, mesmo no presídio, a força da ternura intoxicou o coração dos homens, civis e militares.

E o milagre da ternura se fez.